Especialista explica a ecoansiedade como ‘sofrimento psíquico associado à percepção da degradação ambiental do planeta’. Governo define seca como a maior da história do país
Fumaça, fuligem, incêndios florestais próximos a estradas, tempestades de poeira e um calor atípico para a época fizeram parte da rotina dos moradores do interior de São Paulo durante a maior seca da história do país, segundo o governo federal. As consequências das mudanças climáticas têm produzido novos fenômenos sociais, como a ecoansiedade, que é definida como o medo crônico de vivenciar uma catástrofe ambiental.
Ribeirão Preto (SP) passou semanas com a qualidade do ar entre as piores do estado, segundo as medições da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), resultado da baixa umidade relativa do ar, poluição e das queimadas produzidas pelos incêndios florestais desde o início do inverno.
As cenas de incêndios por toda a região neste período também viraram rotina. O auge foi no dia 24 de agosto, quando as cidades foram tomadas por um cenário digno de filme apocalíptico.
Uma forte ventania trouxe uma fumaça densa e espessa de cor avermelhada e o fogo no horizonte. Em um condomínio, moradores tiveram que deixar suas casas após o fogo se alastrar pela área.
Segundo a pesquisadora Mariana Leal de Barros, doutora em Psicologia pela USP de Ribeirão Preto, esse conjunto de fatores pode levar à ecoansiedade, que trata-se de “um sofrimento psíquico que está associado à percepção da degradação ambiental do planeta; é um medo que a gente sente pela sensação de ameaça em relação ao futuro”.
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Medo do futuro, traumas e desespero: como devastação dos incêndios afeta saúde mental
Especialista explica a ecoansiedade como ‘sofrimento psíquico associado à percepção da degradação ambiental do planeta’. Governo define seca como a maior da história do país.
Por Lucas Zanetti, g1 Ribeirão Preto e Franca
30/09/2024 02h00 Atualizado há 9 horas
Moradores evacuam condomínio em Ribeirão Preto após incêndio atingir casas — Foto: Reprodução/Redes Sociais
Moradores evacuam condomínio em Ribeirão Preto após incêndio atingir casas — Foto: Reprodução/Redes Sociais
Fumaça, fuligem, incêndios florestais próximos a estradas, tempestades de poeira e um calor atípico para a época fizeram parte da rotina dos moradores do interior de São Paulo durante a maior seca da história do país, segundo o governo federal. As consequências das mudanças climáticas têm produzido novos fenômenos sociais, como a ecoansiedade, que é definida como o medo crônico de vivenciar uma catástrofe ambiental.
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Ribeirão Preto (SP) passou semanas com a qualidade do ar entre as piores do estado, segundo as medições da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), resultado da baixa umidade relativa do ar, poluição e das queimadas produzidas pelos incêndios florestais desde o início do inverno.
As cenas de incêndios por toda a região neste período também viraram rotina. O auge foi no dia 24 de agosto, quando as cidades foram tomadas por um cenário digno de filme apocalíptico.
Uma forte ventania trouxe uma fumaça densa e espessa de cor avermelhada e o fogo no horizonte. Em um condomínio, moradores tiveram que deixar suas casas após o fogo se alastrar pela área.
Segundo a pesquisadora Mariana Leal de Barros, doutora em Psicologia pela USP de Ribeirão Preto, esse conjunto de fatores pode levar à ecoansiedade, que trata-se de “um sofrimento psíquico que está associado à percepção da degradação ambiental do planeta; é um medo que a gente sente pela sensação de ameaça em relação ao futuro”.
Moradores deixam casas após incêndio atingir condomínio em Ribeirão Preto
Desespero com as queimadas x emoção com a chuva
No dia em que a fumaça e a fuligem tomou conta de Ribeirão, a cabeleireira Débora Vieira tinha marcado uma corrente de oração por volta das 20h15 junto com suas clientes, pedindo ajuda divina para que o fogo fosse contido.
Logo após a oração, a mulher registrou em vídeo (veja abaixo) o momento em que a chuva veio, quando não pôde conter a emoção, compartilhada por todos aqueles que viviam momentos de aflição.
Os problemas em decorrência da seca têm feito parte da rotina da cabelereira. Além de problemas de saúde, como fadiga, sangramento nasal e dificuldades respiratórias, ela tem notado uma preocupação maior com o futuro do planeta.
“Se continuar nessa pegada que está, a gente não vai mais respirar ar puro. Cada dia que passa está cada vez pior. Acredito que só pode ser resolvido com maior consciência do ser humano, que é a causa de tudo isso. Ainda me preocupo porque o fogo não cessou, por conta dos animais, que também estão pedindo socorro”, diz.
Durante este período, foi comum encontrar vídeos de pessoas nas redes sociais que, assim como a Débora, ficaram emocionadas quando a chuva trouxe alívio para os problemas da seca, ou desesperadas durante o momento dos incêndios ou com o resgate de animais.
A também cabeleireira Irene Bortolin, de Ribeirão Preto, estava na casa da filha na cidade vizinha Jardinópolis (SP) durante uma rápida chuva que caiu na manhã de segunda-feira (16). O momento foi suficiente para ela se emocionar.
“Eu estava muito ansiosa, porque parece que a gente não consegue respirar direito. E eu tenho 65 anos, quero um ar melhor, eu não sou fumante. Quando eu vi aquele chuvisco eu fiquei muito emocionada. A gente tá vivendo num mundo em que o aquecimento está ficando muito rápido, não teve isso na história. Aí me preocupo com o futuro dessas crianças, dos jovens, como é que vai ser”, conta.
Ecoansiedade não é diagnóstico médico
Apesar de a ecoansiedade parecer um diagnóstico, a Dra. Mariana ressalta que este não é o caso, uma vez que é uma resposta natural ao que está acontecendo com o planeta, que é um problema concreto do nosso tempo.
“Apesar de ser um sofrimento legítimo, a ecoansiedade não deve ser tratada como uma patologia. Medicalizar esse sentimento pode ser perigoso, pois a ansiedade climática não é um problema individual, mas coletivo, e não adianta fingir que o problema não existe”, explica.
Além disso, segundo a pesquisadora, a ecoansiedade não se trata de um fenômeno novo. O que representa novidade são os grupos que estão experimentando esse sentimento, que atingiu a população das cidades e centros urbanos com maior evidência. No entanto, é sentida por povos originários e vulneráveis há mais tempo.
“Para os povos indígenas no Brasil, esse sofrimento psíquico data de séculos. A degradação ambiental é uma realidade desde a invasão e exploração colonial, e eles não separam natureza de cultura. Para eles, atacar uma árvore ou um rio é equivalente a atacar entes queridos”, diz.
Prejuízos e incertezas no campo
Se a situação foi intensa para quem vive nas cidades, para quem vive no campo o cenário é catastrófico. De acordo com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo, a onda de incêndios gerou um prejuízo de R$ 1 bilhão aos produtores rurais do estado.
Dados preliminares da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral apontam que 3.837 propriedades rurais foram atingidas em 144 municípios paulistas até o final de agosto. A agricultura familiar, que possui pouca estrutura e recursos para lidar com o período, sofre perdas irreparáveis.
“A gente perde tudo. Não tem como salvar porque, quando o incêndio começa, você não consegue apagar de jeito nenhum. A gente já tá há uns sete anos sem conseguir produzir porque toda vez que a gente planta, todo ano pega incêndio na reserva e acaba subindo pelo lote”, conta Luciano Botelho, coordenador do assentamento Mário Lago, em Ribeirão Preto.
Ele explica que a forma como os agricultores assentados têm lidado com a questão é a mobilização por soluções internas e também cobrando do poder público ações e políticas públicas para a sustentabilidade.
“Você lida com a complexidade de questões psicossociais e é preciso ter bagagem técnica para lidar com isso. Mas o que a gente sempre tem feito enquanto movimento é tentar dizer: ‘olha, o problema não são vocês, não são as famílias. O problema está na falta de investimento público para garantir o mínimo’. Eu digo que nem é garantir proteção, mas o mínimo de dignidade em relação a essa destruição que o fogo traz”, explica.
A produtora rural Edlaine Ramos Vilela, proprietária da Fazenda Buritiz, em Pedregulho (SP), também viveu momentos de terror após um incêndio de grandes proporções atingir a sua propriedade no mês passado. Além das perdas materiais, a produtora relata estar bastante abalada e com medo do futuro caso providências não sejam tomadas para reverter a situação.
Cerca de 60% de sua propriedade é destinada a reserva ambiental e praticamente tudo fui consumido pelo fogo.
Mesmo tendo se preparado com aceiros, cera, resfriamento de seca, ela conta que quando o fogo se alastra, é praticamente impossível conter sem uma grande força-tarefa e mobilização de equipamentos como aviões de grande porte. Ao todo, foram mais de 10 dias se dormir buscando conter as chamas e se expondo a riscos de saúde.
“Foi um horror e é diferente ver na televisão e viver. A gente tá lá todos os dias. É a nossa vida aquilo. Isso é que tá muito difícil pra gente, você entendeu? Todo dia como se você revivesse aquilo. Aquele cenário do fogo chegando, o desespero, todo mundo, bombeiro chegando, aquela cena horrível, de ver filho correndo risco de vida. Não tem como a gente fugir. E o cenário para o próximo ano não vai ser bom. Aí fica naquele pânico, será que vai ser pior? Como será que vai ser? “, diz.
Segundo Edlaine, a parte mais difícil tem sido lidar com a devastação ambiental, encontrar animais mortos, a perda da biodiversidade do local e a falta de preparo e estrutura para lidar com a situação no período. Ela agora promete transformar a dor em ação para o próximo ano.
A ecoansiedade pode ser positiva?
Ainda que a ecoansiedade pareça algo negativo, os pesquisadores ouvidos pelo g1 alertam que esta é uma emoção importante para a transformação social do clima. Mariana alerta que o mais importante é o destino que será dado a este sentimento, que deve contribuir para a reversão do que causa os problemas climáticos.
“É importante lembrar que você não está sofrendo sozinho. O que é que a gente vai fazer com esse sofrimento? Então, a ecoansiedade não é um problema, mas a gente precisa pensar sobre os destinos que a gente vai dar para esse sofrimento. Trabalhar coletivamente na sua cidade ou comunidade é uma forma positiva de lidar”.
Frederico Daia, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Franca e coordenador do Núcleo Agrário Terra e Raiz, ressalta que não somos apenas afetados pelas mudanças climáticas, mas também as estamos produzindo diariamente com nossas escolhas.
Para o pesquisador, da mesma forma que estamos alimentando uma cultura ambiental prejudicial, podemos desenvolver ações para contribuir para amenizar o problema.
“As mudanças locais são importantes. Por exemplo, andar por um bairro sem árvores e depois por outro repleto de árvores faz uma diferença imediata: temperatura mais amena, ar mais respirável. No entanto, o enfrentamento da crise, que se manifesta globalmente, exige medidas igualmente globais. Modificações locais impactam a vida local, mas não resolvem o problema estrutural. Precisamos articular ações em diferentes escalas: global, local, temporal, geográfica”.
Realismo ajuda, alarmismo é um vilão
O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) admite que as mudanças climáticas podem ser revertidas, caso as ações sejam tomadas de forma imediata a nível global e local.
Nesse sentido, os pesquisadores alertam que cair no alarmismo e no fatalismo de que ‘não tem mais o que ser feito’ não ajuda a buscar as soluções necessárias para reverter o problema. É o que buscam os principais afetados pela crise.
Edlaine já está buscando formas de se planejar para o próximo ano junto ao poder público de Pedregulho para saber quais medidas serão tomadas para prevenção das queimadas.
Já o assentamento Mário Lago está reunindo recursos através de doações para investir em prevenção para os produtores que vivem no local, além das mobilizações políticas que caracterizam os movimentos sociais que lutam por direitos no campo.
“Se por um lado é importante que as pessoas se preocupem, porque antes se falava muito pouco e é preciso que a gente fale sobre isso, por outro lado a gente sai do ‘não existe problema, vai acontecer daqui a alguns séculos’ e pula para ‘já é o fim do mundo’. Existe um meio do caminho e muita coisa pode ser feita, e é por isso que a gente precisa se preocupar para que se possa olhar para as saídas possíveis”, diz Mariana.
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