Destinado a profissionais do Hospital das Clínicas, treinamento oferecido por laboratório de Psicologia da Fafich aposta em atendimentos inclusivos e acolhedores
Grupos minorizados, entre eles o formado pela população LGBTQIAPN+, ainda sofrem, em diferentes escalas, com a falta de acesso a direitos básicos, como saúde, educação e trabalho. Na área da saúde, quando esse acesso ocorre, a pessoa ainda tem de lidar com preconceito, falta de informação, despreparo e resistência dos profissionais no trato com a diversidade de gênero e sexual.
Coordenador do Laboratório de Estudos e Intervenções em Terapias Cognitivas e Contextuais (LaEIC) da UFMG, o professor do Departamento de Psicologia Bruno Cardoso lembra que pessoas pertencentes às minorias sexuais e de gênero podem ser afetadas constantemente por uma série de estressores: “Os reflexos do preconceito contra diversidade sexual e de gênero ainda repercutem, infelizmente, nos atendimentos em saúde. Profissionais não capacitados para atender a população LGBTQIAPN+ podem reproduzir um arsenal de microagressões que acionam o sofrimento desta população.”
É nesse contexto que foi formulada, pelo LaEIC, a Capacitação no atendimento profissional às pessoas LGBTQIAPN+: como evitar microagressões e realizar atendimentos culturalmente sensíveis. Destinada a estudantes e profissionais de saúde que atuam no Hospital das Clínicas (HC), a atividade será realizada nos dias 7 e 8 de agosto, no campus Saúde. Nos dois dias de capacitação, Bruno Cardoso e a psicóloga Ana Clara Braga, estudante do Programa de Pós-graduação em Psicologia: Cognição e Comportamento, vão propor reflexões que podem auxiliar os profissionais a atender, de forma mais qualificada, pessoas que compõem a sigla LGBTQIAPN+.
Atendimento humanizado
Os organizadores da capacitação defendem que a busca por um atendimento mais humanizado deve estar alicerçada no combate constante às microagressões. Membro do LaEIC, o estudante de graduação em Psicologia Lucas Nogueira Cunha explica que se tratam de “insultos breves e constantes, intencionais ou não, que têm um teor negativo e impactam a vida de grupos sociais minoritários”. São microassaltos, microinsultos, microinvalidações e microagressões ambientais – estas relacionadas a um contexto mais amplo, no campo das políticas públicas.
“Esse comportamento pode até passar despercebido pelo agressor, mas é muito marcante para quem é vítima dele. Isso pode ocorrer quando se presume ou se assume algo sobre uma pessoa ou quando se faz perguntas inadequadas. Também acontece quando se tenta reduzir ou invalidar os sentimentos e sofrimentos de outra pessoa. As microagressões podem ser cometidas em qualquer espaço, inclusive no âmbito hospitalar, dentro de um consultório, por exemplo, quando o profissional de saúde assume a heterossexualidade, ao perguntar a uma mulher o nome do marido dela”, exemplifica.
O conceito surge em 1970, nos Estados Unidos, no contexto da luta racial, após um professor observar como seus alunos brancos tratavam os colegas negros, sem assimilar o impacto das próprias agressões. Desde 2016, o conceito se expandiu para outras minorias, entre as quais, as sexuais e de gênero, e passou a figurar em mais estudos, principalmente da área da saúde. “Pesquisas já mostram o elevado impacto das microagressões na saúde de pessoas que compõem minorias sexuais e de gênero, com o aumento de sintomas ansiosos e depressivos. Outra consequência é a dificuldade de aprendizado e o consequente abandono escolar”, alerta Lucas Cunha.
Estresse de minorias
Outro conceito relevante nesse contexto, muitas vezes resultante das microagressões, é o estresse de minorias. A psicóloga Ana Braga explica que esse é um tipo específico de sofrimento pelo qual passam pessoas que compõem grupos minorizados. O termo surgiu em estudos que investigavam as particularidades do sofrimento da população LGBTQIAPN+. A profissional observa que, no dia a dia de uma clínica, algumas pessoas que buscam atendimento psicológico podem ter um diagnóstico fechado, a exemplo do transtorno depressivo maior e do transtorno de ansiedade generalizada. Outras, contudo, recebem o que os profissionais da psicologia chamam de “transdiagnósticos”.
“Há pessoas que apresentam sofrimentos que não estão ligados a um diagnóstico específico. São sofrimentos baseados em características que se repetem em determinadas populações. Um exemplo é o perfeccionismo: estudantes e profissionais lidam com características que causam bastante sofrimento, mas que não podem ser reunidas em um diagnóstico chamado perfeccionismo. O estresse de minorias segue o mesmo raciocínio: é particular a pessoas que passam por opressão ou discriminação, mas não é um diagnostico específico”, explica.
Tal estresse reúne componentes intrapessoais, como a internalização de críticas ouvidas ao longo da vida, “que acabam por afetar o senso de si”, e interpessoais, como a falta de formação de uma rede de apoio, “que, muitas vezes, ocasiona a ocultação da identidade ou orientação sexual para se viver de forma menos desconfortável na sociedade.” Há ainda os aspectos culturais, como a falta de acesso a direitos e as agressões vivenciadas em atendimentos de saúde.
“Um atendimento inadequado em uma consulta médica é um tipo de situação causadora de estresse por que passam as minorias. Um exemplo disso é uma mulher lésbica que vai ao ginecologista e ouve a recomendação de usar algum contraceptivo para evitar gravidez. Nesse caso, há a pressuposição de uma heterossexualidade que desrespeita a identidade dessa mulher”, exemplifica.
Ambiente seguro
Por conta da forma como são tratadas em ambientes de saúde, muitas pessoas, em especial transexuais e travestis, não procuram atendimentos na área da saúde. Nesse cenário, iniciativas de capacitação podem contribuir para a melhoria das condições vivenciadas por essa população em serviços de atenção à saúde, ressalta Lucas Cunha.
“Quando capacitamos profissionais da área da saúde a serem afirmativos, não cometerem microagressões e estarem disponíveis para toda a população, podemos gerar acolhimento e possibilitar o tratamento de saúde integral para todas as pessoas. É preciso que esses profissionais estejam capacitados para atender todo tipo de público e construir um ambiente seguro e positivo”, defende.
A capacitação
A Capacitação no atendimento profissional às pessoas LGBTQIAPN+: como evitar microagressões e realizar atendimentos culturalmente sensíveis será dividida em dois encontros. No primeiro, os pesquisadores vão compartilhar conceitos básicos sobre diversidade sexual e de gênero e informações sobre sofrimentos e adoecimentos mentais aos quais essa população é mais suceptível. O segundo momento vai se dedicar ao desenvolvimento de atendimentos de saúde acolhedores e afirmativos. Bruno Cardoso explica que a capacitação foi elaborada de forma cuidadosa, com o objetivo de disseminar a informação e a promoção da saúde para todos.
“Como pesquisador, psicólogo e professor, acho muito importante contribuir para a reflexão sobre este tema, trazendo conhecimento de forma acessível e inclusiva para todos. Nosso objetivo é proporcionar reflexão sobre as microagressões que podem ocorrer no dia a dia ou nos atendimentos e como desenvolver competências multiculturais para profissionais no trato com essa população”, finaliza.
Reportagem escrita por Hugo Rafael, no portal da UFMG